Memórias de um Passado Presente
Na sala de espera do psiquiatra, cumprimentaram-se os dois, meu pai e o “Seu” M. Conheciam-se porque as filhas eram amigas, porque moravam no mesmo bairro e porque ambos eram negociantes.
- “O que você está fazendo aqui?”, perguntou meu pai.
- “O mesmo que você”, respondeu o outro. “Você está bem?”
- “Se eu estivesse bem, não estaria aqui”.
Sentaram-se um diante do outro, desconfiados.
- “Não gosto de esperar”, disse “Seu” M.
- “Também não gosto”, respondeu meu pai. “Será que vai demorar?”
A tarde terminava sonolenta, o barulho dos carros diminuindo e o de pratos e copos nas cozinhas das casas aumentando. Alguém escutava um rádio ao longe, uma música irreconhecível. Os dois adormeceram.
Acordaram de repente, assustados.
- “O que você está fazendo aqui?”, perguntou “Seu” M.
- “O mesmo que você”. “Já falamos sobre isso, não é?”
- “Talvez”.
Cochilaram de novo. Dali a alguns instantes, a enfermeira chamou “Seu” M. Minutos depois, meu pai abriu os olhos, sobressaltado. Reparou que estava só. Meia hora depois, foi chamado à sala do médico; mais tarde, quando chegou em casa, explicou a todos não saber se havia ou não encontrado “Seu” M. no consultório.
- “Mas, afinal, o que o médico falou?”, perguntaram os filhos.
- “Ele disse que, na minha idade, as lembranças se misturam com as memórias, que se misturam com o que sobra dos sonhos. Ele falou que é normal, as pessoas aparecem e desaparecem, e a gente vive várias vezes a mesma coisa, sempre na dúvida se o tempo é passado, presente ou futuro. Contei que, às vezes, vejo meus pais. E que converso com meu avô.
- “O que o médico sugeriu?”
- “Nada. Falou para eu viver a vida que ainda tenho para viver. Para eu aproveitar o tempo que me resta. Para eu não ter medo dos fantasmas, porque eles fazem parte da vida e da morte também.
Alguns anos depois daquela consulta, meu pai faleceu. Nunca mais ouvi falar do “Seu” M..
Ivy Judensnaider
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